sexta-feira, 20 de novembro de 2009

A menina e seu cavalo (Parte 3)

Quando Limão saiu da clínica e voltou para a fazenda, Bia estava lá, esperando. O que Limão não sabia era que Bia tinha passado todo esse tempo implorando ao seu tio que lhe desse o cavalo. Não estava sendo fácil, o Sr. L. gostava muito de Limão, principalmente depois de ele salvar seu filho, mas o Sr. L. era muito bondoso e gostava demais de sua sobrinha e acabou concordando em dar-lhe o cavalo, recusando a oferta que seu irmão havia feito em dinheiro. Afinal, uma coisa era atender a um pedido de sua sobrinha querida e outra era vender o cavalo que salvara a vida de seu filho. Assim, Limão estava em uma situação tão boa quanto difícil, pois ficaria mais perto de sua amada, por vontade dela, mas isso não significava que ela o amasse como ele esperava. Na verdade, nem o próprio Limão sabia como ele esperava que ela o amasse e nessa confusão de sentimentos foi morar na casa de Bia.
Quanto a Lídio, voltou para casa de seu pai curado e não se lembrava de absolutamente nada do dia do acidente, muito menos do fato de Limão ter começado a pular sem nenhum motivo aparente.

A fazenda onde Limão passara a viver era o lugar onde, geralmente, a família de Bia passava os fins de semana, mas agora Bia praticamente morava lá. Ficava com Limão o tempo todo, o que o deixava muito feliz, e juntos andavam por toda a propriedade da família. Bia desenvolvera por Limão aquela afeição que normalmente sentimos por nossos bichinhos de pelúcia. Limão passou a ser seu melhor amigo, conversava com ele, passeava com ele, ria com ele, comia com ele (não a mesma comida, claro!) e sempre cantava pra ele. Limão estava satisfeito com essa relação, mas sentia uma pequena inquietação sabendo que isso não iria durar muito.
Algum tempo depois, Bia arrumou um namorado e namorou por um bom tempo esse ser e depois se casaram e foram morar na fazenda em que Limão estava. Bia não aceitou viver em um lugar em que seu cavalo não pudesse ir. A amizade entre eles não se modificara, só o tempo que passavam juntos que diminuíra um pouco, agora que ela tinha um marido. Logo vieram os filhos e Bia se afastava cada vez mais de Limão, que além de velho estava ficando doente devido à distância de sua amiga e grande amada.
Limão percebeu que seu amor por Bia tinha sido, na verdade, a melhor coisa que lhe acontecera. Tal sentimento, apesar de todo o sofrimento que o acompanha, faz com que as pessoas se sintam melhores com o universo e com os outros seres. E o sofrimento de que falei, faz com que cresçamos e sejamos melhores. Mas tinha uma coisa que incomodava Limão demais: ele queria que Bia ao menos soubesse de todo o seu sentimento. Era uma necessidade que Limão não entendia, mas talvez o fato de não poder ser correspondido fizesse com que ele quisesse pelo menos ser reconhecido. Mas ele não tinha nenhuma idéia de como isso pudesse ser possível.
Um dia, muito tempo depois, quando os filhos de Bia já corriam pela fazenda e ela raramente visitava Limão, que não conseguia mais correr e só ficava em sua casinha, apareceu uma linda mulher e se encaminhou diretamente para Limão:
– Oi! Como vai?
Limão, que já estava acostumado que as pessoas falassem com ele, respondeu em seu linguajar de cavalo, que para as pessoas pareciam um relincho:
– Bem...
E a mulher disse:
– Não parece!
Limão pulou.
– Você consegue me ouvir? – Ele perguntou.
– Sim. Por que não poderia?
– Você é humana, humanos não falam com cavalos, quer dizer, falam, mas não ouvem, você sabe eles, eles... – Limão nem sabia mais o que falar.
– Calma, Limão, eu tenho aparência de humana, mas não sou. – Disse a mulher. – Eu sou um espírito da floresta, que conforta os animais na hora de sua morte.
– Quer dizer que vou morrer?
– Não imediatamente. Você pode me fazer um último pedido. Qualquer um, inclusive viver mais. Você escolhe...
Limão pensou que a resposta era fácil: viver mais ao lado de Bia era só o que ele queria. Mas então pensou o quanto estavam afastados, embora soubesse que Bia ainda o amava, e percebeu que isso não adiantaria muito. Então se lembrou do grande desejo de seu coração: que Bia pudesse saber o quanto ele a amava e decidiu que pedido fazer.
– Quero ser humano por um dia antes de morrer.
A mulher olhou-o nos olhos por alguns instantes e disse:
– Tudo bem! Você terá 24 horas de humanidade, após esse prazo, voltará a ser cavalo e morrerá. De acordo?
– De acordo!
A mulher foi se afastando lentamente e Limão começou a sentir um formigamento estranho pelo corpo, sua vista ficou embaçada e depois de um estremecimento viu que tinha duas pernas e dois braços e uma cabeça humana. Era humano!
Limão não sabia o que fazer, não sabia se corria para a casa e contava para Bia ou se se mostrava para seus amigos cavalos. Mas quem iria acreditar? Talvez seus amigos, mas não Bia. Ela jamais acreditaria que seu cavalo se transformaria em um homem pra dizer que a amava. E também, ela era uma mulher casada, ele não podia simplesmente chegar em sua casa e dizer: – Ei, amo você! Tudo era tão complicado, mesmo agora. E então Limão percebeu o que tinha que fazer. Aproximou-se da casa pelos fundos, chamou um dos criados e perguntou se podia lhe emprestar algumas folhas de papel e uma caneta. A mulher havia feito um bom trabalho, Limão se transformara em um homem com aparência decente e, como ele suspeitou e confirmou depois, com certo grau de instrução, e por isso a criada não se importou em atender tão gentil cavalheiro.
Limão se encaminhou a sua casinha, sentou-se, e começou a escrever a história de Bia e Limão.

Agora que vocês já sabem, peço perdão pelo mau jeito com a escrita, não é fácil para um cavalo contar uma história e meu tempo está terminando. Só queria dizer ainda que se você um dia ler isso Bia, saiba que não me arrependo de nada. Você foi a coisa mais linda que me aconteceu e eu fui o cavalo mais feliz que poderia ter existido, não sei se vai acreditar, mas pense... ninguém poderia saber de tudo isso. Te amo!

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