sábado, 4 de dezembro de 2010

O moço do ônibus

Todos os dias ela sentava no mesmo banco do ônibus. E lia.

O ônibus estava sempre vazio naquele horário, quando voltava do trabalho, só uma pessoinha ou outra, às vezes. Nesse dia também estava, mas o moço que entrou escolheu sentar-se ao lado dela. E ele era lindo!

Ela continuou lendo, mas percebeu que ele olhava insistentemente e sorria. Já estava incomodando. Mas então ele falou:

– Desculpa! Mas é que eu adoro Tolkien! Tá gostando do livro?

Uau! Ele adorava Tolkien!!!! Além de lindo era inteligente!

– Na verdade eu gosto do livro. Já li mais de 10 vezes. É o meu favorito.

– Do Tolkien ou de todos?

– Dos dois!

– Entendo. É o meu também!

Podia ser verdade, mas ele poderia estar dizendo isso só pra agradá-la. Mas estar tentando agradá-la também não era bom? Ela queria conversar mais, mas era tímida para puxar assunto, mesmo sendo um assunto que a fazia falar sem parar. Então, no que ela pensou ser a conspiração do mundo para que ela amasse aquele moço pela eternidade, ele olhou pra ela disse:

– Aposto que é corinthiana!

Lindo. Tolkien. Futebol. Quer se casar comigo?

– Como você descobriu? – Disse ela com um sorriso enorme.

– Seu chaveiro. – Disse ele rindo ainda mais.

Ah! Claro, o chaveiro! Que burra!

– E você, pra que time torce?

– Qual você acha?

– Não deve ser Corinthians...

Ele continuou quieto, com um sorrisinho no rosto.

– É Corinthians?

Não podia ser, era perfeição demais!

Ele soltou uma gargalhada – Claro! Achava que eu ia torcer pra quem?

O caminho era um pouco longo, então foram conversando sobre tudo o que tinham em comum, até que ele disse:

– Tenho que descer logo, me passa seu telefone?

Ela passou, claro.

– A gente se fala. – Disse ele sorrindo enquanto puxava a cordinha do ônibus. – Até mais!

– Até!

Ela mal acreditava que tinha acabado de conhecer alguém assim, tão perfeito! Certeza que não ia ligar. Certeza!

Duas semanas se passaram. Ele não ligou. Ela ficou muito triste, mas já esperava. Com ela era sempre assim. Ainda bem que não tinha pegado o telefone dele, porque iria ficar tentada a ligar. Agora não havia nada a fazer.

O que ela não sabia era que o moço descera do ônibus transbordando de felicidade por ter encontrado alguém como ela e planejava ligar no dia seguinte, mas devido a tamanha felicidade não prestara atenção na rua e não vira ou ouvira o caminhão que passou por cima do seu corpo, destruindo tudo: o corpo, a vida, o sonho, o celular.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Pássaros

Ela matara o pássaro!
Ele ficara muito bravo! Adorava pássaros.
- Você não devia ter matado! O que ele te fez?
O pássaro estava aos seus pés.
- Não é questão de fazer ou não fazer. Eu tenho um estilingue, ele é uma coisa que voa. Eu acertei ele, ele morreu. Simples assim. - Disse ela.
- Você não tem coração!
- Seus argumentos são sempre tão inválidos. Não tem nada a ver com coração. Quer que eu desenhe? Estilingue+bicho-que-voa+eu-acerto-bicho-que-voa=bicho-morto.
- Você não existe! - Disse o menino com ódio. - Quero ver quando eu contar pra sua mãe se os seus argumentos serão tão válidos assim. Você sabe o quanto ela adora que você mate "bichos-que-voam"
- Vai lá correndo então! Quero ver provar, jogo esse bicho morto ali no rio em dois segundos. - Disse a menina pegando o corpo do pássaro e correndo em direção ao rio enquanto o menino ia em direção à casa, furioso.
Quando a menina chegou ao rio, ia se abaixando para jogar o corpo do pobre pássaro no rio quando percebeu um movimento a sua direita. Olhando de soslaio viu uma grande cobra se aproximando, mas aparentemente a cobra não havia se dado conta da presença da menina. Ela ficou paralisada por cinco segundos e depois correu como nunca antes. Correu tanto que encontrou o menino ainda longe da casa. Ele logo pensou que ela havia se arrependido e voltado para lhe pedir que não contasse nada, mas quando ia abrir a boca para dizer que nada iria adiantar, viu que ela tremia e estava muito pálida.
- O que aconteceu?
- Cobra... enorme... perto do rio... - Foi tudo que ela conseguiu dizer antes de começar a chorar.
Ele olhou para trás e sentiu mais do que viu um movimento próximo ao rio. Passou os braços em torno dos ombros da menina e a levou até a casa. Quando chegaram, a mãe quis saber o que havia acontecido e ele contou toda a parte da cobra, omitindo a parte do pássaro. Enquanto a mãe corria para avisar o pai da cobra que estava por perto, gritava para os dois:
- Mas o que faziam perto do rio? Já não disse que lá é perigoso!?
Ele respondeu:
- Nada. Só olhando...
A menina olhou para ele, ele desviou o olhar e ali ela soube que o amaria para sempre.
Ele já sabia isso. Há muito tempo.

domingo, 2 de maio de 2010

A vida é mesmo engraçada

As meninas eram bombeiras. Moravam juntas numa casa grande até. E eram bombeiras.
Tinham decidido isso quando tinham 7 anos de idade e subiram na árvore para salvar o gato da vizinha. A emoção, a expectativa, o alívio da vizinha... Era um modo de ter uma vida emocionante, cheia de aventuras, riscos e ainda se sentirem bem ajudando os outros. Diferente da maioria das promessas infantis, elas se tornaram bombeiras. E eram muito boas no que faziam. Mas um dia a sorte resolveu não acompanhar a coragem.
Um incêndio na escola da cidade. Crianças envolvidas. Sempre complicado. Os bombeiros estavam tentando controlar o fogo. Todas as crianças tinham sido retiradas. De repente, sai uma professora correndo com três crianças e diz que ainda tem mais duas no final do corredor, que ela não conseguira trazer. A duas amigas, as melhores e mais corajosas do grupo, correm, no mesmo instante, pelo corredor para tentarem salvar as crianças. Mas no meio do caminho havia uma cobra, que nenhuma das duas viu, por causa da fumaça. Era coral. Picou uma. Picou a outra. Elas nem perceberam na hora. Levaram as crianças para fora. Caíram mortas.