quarta-feira, 26 de junho de 2013

Sonhei que nada podia escrever

Sem nada para fazer ele decidiu escrever sobre o que estava pensando, mas não estava pensando em nada.
A menos que... se se esforçasse um pouquinho... poderia pensar em alguma coisa. Talvez sonhos.
Sonhos. A realidade dos sonhos parecia real somente nos livros. Ninguém acredita nos sonhos. Por que eles mentem? Não. É tudo verdade. Mas eles enganam de um jeito maldoso, sem mentir, mas alocando realidades para criar uma não alcançável. Tudo o que ele sonha é verdade. Mas uma verdade também pode ser uma mentira. Estou acordado ou dormindo? É verdade ou mentira? Ele conhece verdades e até hoje todas elas mentiram, seja em sonho ou acordamento. Não estranhem a palavra, mas realidade não é o contrário de sonho, nem de nada.
E nada? Ele não tinha muito para escrever sobre nada, se bem que nada rende muito no mundo, principalmente no pensamento. No discurso também. E fica aquela confusão sobre de que nada estaria ele falando se nada é infalável e portanto se fala de tudo.
Achou estranho. Queria falar de nada e está falando de tudo. Tudo sempre se espremia na conversa. Intrometido.
Talvez melhor do que falar de nada seria falar nada, mas agora já tinha falado demais para voltar atrás. Mas não era falar, era escrever. Tudo errado.
Tudo.
Errado.
No fim o problema todo são as malditas palavras.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

O lugar verde

Esse não é um conto autobiográfico. Eu não tenho mãe.

Maria viajou com sua mãe para uma cidade enorme. Em comparação à cidadezinha em que moravam, era uma cidade muito grande mesmo. A menina mal podia acreditar que fosse possível aquela cidade, parecia que essas coisas só existiam em filmes, ou pelo menos era o que ela pensava.
Maria tinha seis anos de idade e não desgrudava da mãe normalmente e muito menos em um lugar tão gigantesco. Apertava sua mão e não soltava por nada. 
A menina e sua mãe já estavam na cidade há dois dias e tinham ido à praia, a uns prédios grandes e ao shopping, onde Maria ganhara um vestido novo. No terceiro dia elas estavam andando por ruas sem fim, com carros indo e vindo. Andaram pelas calçadas até a menina ver um pipoqueiro.
- Mãe, me compra uma pipoca.
Enquanto sua mãe comprava a pipoca, uma senhora passou com um cachorro lindo e a menina ficou olhando. Na direção contrária passou um rapaz também com um cachorro, esse parecendo um leão. Maria ficou admirada, em sua cidade não tinha esses cachorros parecidos com leões. Pensou em pedir para passar a mão no pelo do animal, mas achou melhor não. Virou-se para contar à mãe e mostrar a quantidade de cachorros lindos nessa cidade e percebeu que sua mãe não estava ali. Nem o pipoqueiro.
O desespero veio como uma onda igual a da praia que tinha ido no dia anterior e ela quis chorar. Mas menina bonita não chora, pensou.
Ficou parada por um tempo, pois sua mãe sempre dizia "se um dia você se perder de mim fique parada que eu te acho". Depois de esperar alguns minutos quis chorar de novo, mas então começou a ouvir uma voz chamando seu nome; engoliu o choro e seguiu na direção do som. A voz continuava chamando, mas estava distante. Por que sua mãe tinha ido tão longe procurá-la?
Seguiu até uma entrada grande do que devia ser um prédio e foi entrando; passou por essa entrada e depois por mais uma e então saiu em um espaço aberto. Todo o ar que tinha dentro dela desapareceu. Esqueceu sua mãe, os carros na rua, a praia, a cidade. Não havia nada além daquele lugar.
Maria tinha saído em uma grande escadona, que descia em círculos. Ela não sabia o que era, mas era lindo. Começou a descer a escada em direção ao centro, um lugar verde, e naquela hora achou que estava sonhando pois parecia que era o lugar verde que a chamava. E ela obedecia.
Quando chegou ao gramado começou a chorar, não porque estava perdida, mas de alegria. Seu coração parecia que ia explodir de tantos sentimentos, conhecidos e desconhecidos. Nunca tinha se sentido assim na vida.
Ouvia vozes gritando, cantando, chorando, não sabia de onde elas vinham, mas sabia que tudo estava ligado ao lugar verde.
O que ela estava sentindo era magia, ela sabia. Tinha ouvido histórias de magia e sabia como era. Sentou-se no chão e ficou ouvindo, maravilhada. As vozes eram muito baixas, mas estavam ali. Maria se sentia mais feliz do que imaginava possível, não queria nunca mais sair dali, afinal tinha encontrado um outro mundo, um mundo mágico, como sempre quis.
No meio de tanta alegria e magia ouviu passos e as vozes sumiram, um homem se aproximava.
- Menina, o que está fazendo aqui? Não pode. - E comçou a rir. - Onde estão seus pais?
- Não sei - disse a menina, agora triste, lembrando-se da mãe.
- Está perdida?
A menina balançou a cabeça afirmativamente.
- Vamos lá fora, a gente vai encontrar sua família.
Maria subiu toda a escadaria com o homem e antes de sair olhou para trás, prometendo que voltaria. Saindo por onde tinha entrado ela perguntou ao homem:
- O que é isso?
- Você não sabe? - Perguntou o homem e em seguida caiu na gargalhada - Isso é um...
Antes que ele pudesse terminar a frase braços apareceram e junto sua mãe chorando. Quando conseguiu se soltar o homem já tinha desaparecido.
Sua mãe queria saber onde ela tinha estado, mas tudo que Maria consegiu dizer foi "não sei". Por algum motivo desconhecido não queria dividir a experiência com a mãe. Sentia que ela não entenderia.
Quando chegou em casa, na sua cidadezinha, foi falar com o pai e contar todas as suas aventuras. Seu pai estava assistindo TV, mas prestava atenção no que ela dizia e ela falava sem parar. Contava da praia, dos prédios, dos cachorros, e enquanto falava percebeu que queria contar sobre o lugar mágico para o pai.
Começou contando como se perdera e então como havia encontrado esse lugar e enquanto contava parecia ouvir as vozes novamente.
- Era mágico, papai, eu sei. Era outro mundo.
Seu pai a olhava com olhos sorridentes.
- Eu acredito, filha.
Nesse momento ela sentiu seu amor pelo pai aumentar. Pensou em abraçá-lo, mas preferiu sentar ao seu lado e ver TV com ele. Quando olhou para a TV não acreditou. Estava ali, na TV, seu lugar mágico. Ela começou a gritar:
- Papai, papai, é aí, meu lugar mágico, é esse aí, está na TV, papai!
Seu pai a olhou com olhos brilhantes de lágrimas e depois de um tempo disse:
- Isso, minha filha, é um campo de futebol e é realmente mágico. Um outro mundo cheio de magia.