sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Em busca do Belo Reino

Há muito tempo atrás contavam a história de uma garota, um velho e um urso. Nessa época muitos diziam que se tratava de uma lenda, apenas uma história... para garotos estúpidos e sonhadores. Porém, aqueles que a contavam ainda acreditavam nela e a narravam, ou melhor, a interpretavam com paixão. Essa história marcou minha vida, vou tentar contá-la como a ouvi, certo dia, da voz de um velho que cuidava atenciosamente de uma árvore.
Ele começou assim: – Sabe, hoje em dia não se acredita mais nas amizades, não como se fazia antes... Você conhece a história da menina, do velho e do urso? Pois, se você não estiver com muita pressa vou lhe contar.
O nome dela se perdeu, o que sabemos hoje é como o velho a chamava, princesinha... Ela era uma menina muito inteligente, sabe, talvez a mais inteligente das que já existiu e dizem que, por isso mesmo, ela não acreditava em átomos, em máquinas, computadores, disciplinas como história, matemática e ciências, essas coisas que, para muitos, explicam o funcionamento das coisas do mundo. Quando muito nova seu passatempo favorito era perguntar, para cada resposta surgiam mil novas perguntas. Com o tempo, a esse seu passatempo se acrescentaram outros, a leitura dos livros mais variados, mas, principalmente, de contos de fadas, que lia acompanhada de Iolau, seu ursinho, aliás, outra de suas diversões preferidas era brincar com ele, passavam o dia todo juntos.
Certo dia, como era de se esperar, ela começou a perguntar onde ficava o mundo que conheciam pelos livros, perguntou a seu urso, a sua avó, a todos que lhe davam brecha, mas ninguém sabia dizer. Até que, certa manhã, juntamente com Iolau, decidiu procurar por ele. Pensou que esse mundo poderia ficar escondido debaixo do nosso. Só havia um jeito de descobrir, procurando um buraco, uma entrada subterrânea, mas ela não sabia de nenhuma perto de onde morava. Ficou desolada. Chegando em casa trancou-se no quarto e começou a chorar, sabe-se lá por quê; de repente, notou que Iolau estava sobre seu antigo conjunto de construir castelos de areia. Teve um estalo, porque não cavar? De certo que não seria fácil, nenhum coelho ou tatu a ajudaria nessa tarefa, mas talvez fosse porque eles não compreendiam seu pedido. Ah, como sonhava com o mundo em que todos os seres falassem a mesma língua...
Após três semanas cavando e perguntando às minhoca se elas eram do mundo das fadas, faunos, e outros seres, muitos dos quais não conhecia e queria conhecer, ela pensou que talvez não devesse procurar embaixo, que era um lugar escuro, mas encima do mundo, que era iluminado e brilhante. Dessa sua primeira tentativa levou de recordação três pequenas pedras, muito bonitas, embora precisassem de um banho para recuperar todo o seu brilho; e muita sujeira na roupa, coisa que lhe valeu muitos castigos.
Sua segunda tentativa, como parecia sugerir seu urso, que repousava sob uma grande árvore ao seu lado, era subir no lugar mais alto que conhecia: um morro que ficava logo no fim de sua pequena cidade.
Foi assim que ela pegou a antiga trilha que subia o morro, mas chegando ao topo nada lhe parecia diferente do que conhecia, a única coisa que se destacou foi a presença de uma gigantesca árvore que nunca havia visto. Curiosamente nessa árvore existiam buracos que pareciam uma escada. Ela se empolgou, havia achado o caminho, era isso, a árvore era a porta de entrada para o mundo das fadas, era óbvio, nada mais coerente do que esse caminho, uma vez que os seres que habitavam esse mundo estavam tão ligados à natureza. Seus olhos cintilavam e se enchiam de lágrimas... Subiu a árvore com dificuldades, sempre acompanhada de Iolau. A escada tinha seu fim na copa da árvore, que era um lugar simplesmente maravilhoso de onde se podia ver toda a sua cidadezinha e era, certamente, o lugar mais extraordinário do mundo para se ver um pôr-do-sol. A menina passou horas e horas ali, admirando toda aquela beleza e brincando com seu urso. O tempo passou e, pouco a pouco, todo o seu deslumbramento foi se convertendo em tristeza. Sim, aquele lugar era o mais bonito em que já estivera, mas não era o lugar que queria encontrar. Escurecia e, embora não quisesse, tinha que ir para casa. Levou consigo, porém, aquele pôr-do-sol que tanto lhe impressionou.
O caminho agora parecia muito mais longo, desajeitado e perigoso, foram vários escorregões, tantos tombos que ela ficou tão suja quanto quando estava cavando seu caminho para o mundo das fadas. O certo é que escalá-lo não foi mais fácil do que cavá-lo. Quase no fim da trilha o cansaço de um dia agitado e frustrante pesava sobre suas costas. Foi nesse estado que encontrou um velho que embora nunca tivesse visto tinha a impressão de que conhecia. Ele andava devagar, carregava nas mãos instrumentos de jardinagem e parecia cantarolar. Em seu rosto via-se um sorriso amigo que aumentou ao ver a menina e seu urso. Ao se aproximar mais o velho balançou levemente a cabeça e fixou o olhar em Iolau. Nesse instante a menina teve a impressão de que ele piscou para o velho, mas se convenceu de que era só sua imaginação querendo compensar a frustração do dia.
– Que urso mais encantador você tem aí – disse o velho. Nada como um bom urso como companheiro. Ele parece gostar muito de você.
A menina abriu um sorriso de orelha a orelha, não era comum as pessoas se interessarem por seu urso, ainda mais do modo como esse velho o fez. Então ela disse:
– Ele também gostou do senhor.
– Que bom, imagino que esteja ficando tarde e você deve se apressar em voltar para casa. Até a vista.
– Tchau, senhor.
– Só um minuto, – disse o velho – quando eu era mais moço eu costumava ter um urso também, eu sempre o levava ao bosque que fica logo após esse morro. Acho que ele se divertia bastante, sempre penso que eles precisam estar perto da natureza, que assim eles se sentem mais alegres. Mais isso são memórias de um velho. Tome cuidado no caminho, sim.
– Obrigada.
Chegando em casa, como era de se esperar, a menina ganhou mais castigos. Só que desta vez o castigo foi o mais cruel de todos os que já lhe haviam imposto. Por causa da roupa suja ela já havia levado uns tapas, lavado os pratos por uma semana e limpado a casa. Agora, porém, fora castigada com uma combinação das mais malignas, lhe tiraram os livros e proibiram-na de sair de casa por uma semana.
Foram tempos difíceis, suas únicas alegrias eram a presença de Iolau, que parecia encher todo o quarto e diminuir um pouco sua solidão e melancolia e, para seu espanto, os momentos em que aquele sorriso fantástico do velho que acabara de conhecer lhe vinha à mente. Tiraram-lhe o mundo e, mesmo que muitas vezes ele lhe parecesse chato e vazio, ele lhe fazia falta. Queria se divertir como os outros de sua idade, mas não conseguia, mesmo quando não estava de castigo. Mas a maior crueldade desse castigo era que sem os livros ela sentia definhar as possibilidades de conhecer, mesmo que de longe, outros mundos. Mundos maravilhosos, especiais. Foi assim que, após dois dias presa e sem livros, a menina adoeceu. Então, não tiveram outra escolha, liberaram-na do castigo, mas mesmo assim ela não parecia muito animada. Diziam que cada dia que passava a menina se sentia mais longe do belo reino onde viviam as fadas e isso a machucava. Esses dias sem livros foram, portanto, uma tortura da qual não foi fácil se recuperar.
Um dia, porém, ela se lembrou da conversa com aquele velho e achou que seu bravo urso, que não descolara de sua cama durante sua enfermidade, merecia um passeio. Decidiu levá-lo ao bosque. Ela nunca fora àquele lugar e, no caminho, deliciava-se em imaginá-lo. Árvores fortes e gigantescas, mais velhas que seus avôs, verde por toda parte, com pequenas folhas amarelas e vermelhas espalhadas esparsamente no chão em contraste com os vários tons de verde das folhas, dos musgos, da grama. Tudo isso perpassado por vários rasgos dos raios do sol que como ouro que vence a escuridão e ilumina qual um conjunto de velas perpendiculares a morada dos seres da floresta. Foi então que, como ocorrera antes, deu-lhe um estalo e ela pensou que ali, mais do que qualquer outro lugar, deveria estar escondida a entrada para o belo reino das fadas.
Adentrando no bosque ela foi cada vez se surpreendendo mais e mais, tudo lá era como ela havia imaginado só que mais bonito. Não a espantava que o urso do velho adorasse aquele lugar, ela mesma achava que qualquer um que não gostasse de um local tão lindo estava louco. Ela se maravilhava com a sua beleza, com a sua simplicidade, sua naturalidade, os animais típicos da região desfilavam calmamente pelo bosque, sem alarme, coelhos, preás, esquilos, macacos, todos pareciam alegres, o som dos pássaros enchia aquele espaço. Adentrando mais e mais na mata ela encontrou muitas castanhas que ela adorava e que os esquilos pareciam não se importar em dividir com ela. Sendo assim guardou em sua mochila um pouco para comer mais tarde.
Como acontecera com a árvore, aos poucos o encantamento foi diminuindo e lhe batendo a tristeza, pois apesar de tudo ser lindo e ela e Iolau estarem se divertindo muito, ela não encontrara no bosque a entrada para o belo reino. Duplamente triste, por não ter encontrado a entrada e por ter que deixar aquele lugar maravilhoso, a menina rumou novamente para casa sem conseguir o que tanto desejava. Ela chorava silenciosa e desesperadamente e as suas lágrimas, gota a gota caiam sobre o urso. De repente, numa curva do caminho ela viu o velho que ao vê-la chorando foi ao seu encontro.
– Por que choras, filha?
¬– Não consigo encontrar a entrada. Eu queria muito encontrá-la.
– Entrada?
– Sim, para o belo reino, o mundo das fadas – disse a menina. Você sabe onde fica?
– Eu – disse o velho. Sente-se aqui. Vou te contar a história de uma menina que queria ser uma fada...

Por Fernando Cordeiro

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