quarta-feira, 26 de junho de 2013

Sonhei que nada podia escrever

Sem nada para fazer ele decidiu escrever sobre o que estava pensando, mas não estava pensando em nada.
A menos que... se se esforçasse um pouquinho... poderia pensar em alguma coisa. Talvez sonhos.
Sonhos. A realidade dos sonhos parecia real somente nos livros. Ninguém acredita nos sonhos. Por que eles mentem? Não. É tudo verdade. Mas eles enganam de um jeito maldoso, sem mentir, mas alocando realidades para criar uma não alcançável. Tudo o que ele sonha é verdade. Mas uma verdade também pode ser uma mentira. Estou acordado ou dormindo? É verdade ou mentira? Ele conhece verdades e até hoje todas elas mentiram, seja em sonho ou acordamento. Não estranhem a palavra, mas realidade não é o contrário de sonho, nem de nada.
E nada? Ele não tinha muito para escrever sobre nada, se bem que nada rende muito no mundo, principalmente no pensamento. No discurso também. E fica aquela confusão sobre de que nada estaria ele falando se nada é infalável e portanto se fala de tudo.
Achou estranho. Queria falar de nada e está falando de tudo. Tudo sempre se espremia na conversa. Intrometido.
Talvez melhor do que falar de nada seria falar nada, mas agora já tinha falado demais para voltar atrás. Mas não era falar, era escrever. Tudo errado.
Tudo.
Errado.
No fim o problema todo são as malditas palavras.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

O lugar verde

Esse não é um conto autobiográfico. Eu não tenho mãe.

Maria viajou com sua mãe para uma cidade enorme. Em comparação à cidadezinha em que moravam, era uma cidade muito grande mesmo. A menina mal podia acreditar que fosse possível aquela cidade, parecia que essas coisas só existiam em filmes, ou pelo menos era o que ela pensava.
Maria tinha seis anos de idade e não desgrudava da mãe normalmente e muito menos em um lugar tão gigantesco. Apertava sua mão e não soltava por nada. 
A menina e sua mãe já estavam na cidade há dois dias e tinham ido à praia, a uns prédios grandes e ao shopping, onde Maria ganhara um vestido novo. No terceiro dia elas estavam andando por ruas sem fim, com carros indo e vindo. Andaram pelas calçadas até a menina ver um pipoqueiro.
- Mãe, me compra uma pipoca.
Enquanto sua mãe comprava a pipoca, uma senhora passou com um cachorro lindo e a menina ficou olhando. Na direção contrária passou um rapaz também com um cachorro, esse parecendo um leão. Maria ficou admirada, em sua cidade não tinha esses cachorros parecidos com leões. Pensou em pedir para passar a mão no pelo do animal, mas achou melhor não. Virou-se para contar à mãe e mostrar a quantidade de cachorros lindos nessa cidade e percebeu que sua mãe não estava ali. Nem o pipoqueiro.
O desespero veio como uma onda igual a da praia que tinha ido no dia anterior e ela quis chorar. Mas menina bonita não chora, pensou.
Ficou parada por um tempo, pois sua mãe sempre dizia "se um dia você se perder de mim fique parada que eu te acho". Depois de esperar alguns minutos quis chorar de novo, mas então começou a ouvir uma voz chamando seu nome; engoliu o choro e seguiu na direção do som. A voz continuava chamando, mas estava distante. Por que sua mãe tinha ido tão longe procurá-la?
Seguiu até uma entrada grande do que devia ser um prédio e foi entrando; passou por essa entrada e depois por mais uma e então saiu em um espaço aberto. Todo o ar que tinha dentro dela desapareceu. Esqueceu sua mãe, os carros na rua, a praia, a cidade. Não havia nada além daquele lugar.
Maria tinha saído em uma grande escadona, que descia em círculos. Ela não sabia o que era, mas era lindo. Começou a descer a escada em direção ao centro, um lugar verde, e naquela hora achou que estava sonhando pois parecia que era o lugar verde que a chamava. E ela obedecia.
Quando chegou ao gramado começou a chorar, não porque estava perdida, mas de alegria. Seu coração parecia que ia explodir de tantos sentimentos, conhecidos e desconhecidos. Nunca tinha se sentido assim na vida.
Ouvia vozes gritando, cantando, chorando, não sabia de onde elas vinham, mas sabia que tudo estava ligado ao lugar verde.
O que ela estava sentindo era magia, ela sabia. Tinha ouvido histórias de magia e sabia como era. Sentou-se no chão e ficou ouvindo, maravilhada. As vozes eram muito baixas, mas estavam ali. Maria se sentia mais feliz do que imaginava possível, não queria nunca mais sair dali, afinal tinha encontrado um outro mundo, um mundo mágico, como sempre quis.
No meio de tanta alegria e magia ouviu passos e as vozes sumiram, um homem se aproximava.
- Menina, o que está fazendo aqui? Não pode. - E comçou a rir. - Onde estão seus pais?
- Não sei - disse a menina, agora triste, lembrando-se da mãe.
- Está perdida?
A menina balançou a cabeça afirmativamente.
- Vamos lá fora, a gente vai encontrar sua família.
Maria subiu toda a escadaria com o homem e antes de sair olhou para trás, prometendo que voltaria. Saindo por onde tinha entrado ela perguntou ao homem:
- O que é isso?
- Você não sabe? - Perguntou o homem e em seguida caiu na gargalhada - Isso é um...
Antes que ele pudesse terminar a frase braços apareceram e junto sua mãe chorando. Quando conseguiu se soltar o homem já tinha desaparecido.
Sua mãe queria saber onde ela tinha estado, mas tudo que Maria consegiu dizer foi "não sei". Por algum motivo desconhecido não queria dividir a experiência com a mãe. Sentia que ela não entenderia.
Quando chegou em casa, na sua cidadezinha, foi falar com o pai e contar todas as suas aventuras. Seu pai estava assistindo TV, mas prestava atenção no que ela dizia e ela falava sem parar. Contava da praia, dos prédios, dos cachorros, e enquanto falava percebeu que queria contar sobre o lugar mágico para o pai.
Começou contando como se perdera e então como havia encontrado esse lugar e enquanto contava parecia ouvir as vozes novamente.
- Era mágico, papai, eu sei. Era outro mundo.
Seu pai a olhava com olhos sorridentes.
- Eu acredito, filha.
Nesse momento ela sentiu seu amor pelo pai aumentar. Pensou em abraçá-lo, mas preferiu sentar ao seu lado e ver TV com ele. Quando olhou para a TV não acreditou. Estava ali, na TV, seu lugar mágico. Ela começou a gritar:
- Papai, papai, é aí, meu lugar mágico, é esse aí, está na TV, papai!
Seu pai a olhou com olhos brilhantes de lágrimas e depois de um tempo disse:
- Isso, minha filha, é um campo de futebol e é realmente mágico. Um outro mundo cheio de magia.

sábado, 4 de dezembro de 2010

O moço do ônibus

Todos os dias ela sentava no mesmo banco do ônibus. E lia.

O ônibus estava sempre vazio naquele horário, quando voltava do trabalho, só uma pessoinha ou outra, às vezes. Nesse dia também estava, mas o moço que entrou escolheu sentar-se ao lado dela. E ele era lindo!

Ela continuou lendo, mas percebeu que ele olhava insistentemente e sorria. Já estava incomodando. Mas então ele falou:

– Desculpa! Mas é que eu adoro Tolkien! Tá gostando do livro?

Uau! Ele adorava Tolkien!!!! Além de lindo era inteligente!

– Na verdade eu gosto do livro. Já li mais de 10 vezes. É o meu favorito.

– Do Tolkien ou de todos?

– Dos dois!

– Entendo. É o meu também!

Podia ser verdade, mas ele poderia estar dizendo isso só pra agradá-la. Mas estar tentando agradá-la também não era bom? Ela queria conversar mais, mas era tímida para puxar assunto, mesmo sendo um assunto que a fazia falar sem parar. Então, no que ela pensou ser a conspiração do mundo para que ela amasse aquele moço pela eternidade, ele olhou pra ela disse:

– Aposto que é corinthiana!

Lindo. Tolkien. Futebol. Quer se casar comigo?

– Como você descobriu? – Disse ela com um sorriso enorme.

– Seu chaveiro. – Disse ele rindo ainda mais.

Ah! Claro, o chaveiro! Que burra!

– E você, pra que time torce?

– Qual você acha?

– Não deve ser Corinthians...

Ele continuou quieto, com um sorrisinho no rosto.

– É Corinthians?

Não podia ser, era perfeição demais!

Ele soltou uma gargalhada – Claro! Achava que eu ia torcer pra quem?

O caminho era um pouco longo, então foram conversando sobre tudo o que tinham em comum, até que ele disse:

– Tenho que descer logo, me passa seu telefone?

Ela passou, claro.

– A gente se fala. – Disse ele sorrindo enquanto puxava a cordinha do ônibus. – Até mais!

– Até!

Ela mal acreditava que tinha acabado de conhecer alguém assim, tão perfeito! Certeza que não ia ligar. Certeza!

Duas semanas se passaram. Ele não ligou. Ela ficou muito triste, mas já esperava. Com ela era sempre assim. Ainda bem que não tinha pegado o telefone dele, porque iria ficar tentada a ligar. Agora não havia nada a fazer.

O que ela não sabia era que o moço descera do ônibus transbordando de felicidade por ter encontrado alguém como ela e planejava ligar no dia seguinte, mas devido a tamanha felicidade não prestara atenção na rua e não vira ou ouvira o caminhão que passou por cima do seu corpo, destruindo tudo: o corpo, a vida, o sonho, o celular.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Pássaros

Ela matara o pássaro!
Ele ficara muito bravo! Adorava pássaros.
- Você não devia ter matado! O que ele te fez?
O pássaro estava aos seus pés.
- Não é questão de fazer ou não fazer. Eu tenho um estilingue, ele é uma coisa que voa. Eu acertei ele, ele morreu. Simples assim. - Disse ela.
- Você não tem coração!
- Seus argumentos são sempre tão inválidos. Não tem nada a ver com coração. Quer que eu desenhe? Estilingue+bicho-que-voa+eu-acerto-bicho-que-voa=bicho-morto.
- Você não existe! - Disse o menino com ódio. - Quero ver quando eu contar pra sua mãe se os seus argumentos serão tão válidos assim. Você sabe o quanto ela adora que você mate "bichos-que-voam"
- Vai lá correndo então! Quero ver provar, jogo esse bicho morto ali no rio em dois segundos. - Disse a menina pegando o corpo do pássaro e correndo em direção ao rio enquanto o menino ia em direção à casa, furioso.
Quando a menina chegou ao rio, ia se abaixando para jogar o corpo do pobre pássaro no rio quando percebeu um movimento a sua direita. Olhando de soslaio viu uma grande cobra se aproximando, mas aparentemente a cobra não havia se dado conta da presença da menina. Ela ficou paralisada por cinco segundos e depois correu como nunca antes. Correu tanto que encontrou o menino ainda longe da casa. Ele logo pensou que ela havia se arrependido e voltado para lhe pedir que não contasse nada, mas quando ia abrir a boca para dizer que nada iria adiantar, viu que ela tremia e estava muito pálida.
- O que aconteceu?
- Cobra... enorme... perto do rio... - Foi tudo que ela conseguiu dizer antes de começar a chorar.
Ele olhou para trás e sentiu mais do que viu um movimento próximo ao rio. Passou os braços em torno dos ombros da menina e a levou até a casa. Quando chegaram, a mãe quis saber o que havia acontecido e ele contou toda a parte da cobra, omitindo a parte do pássaro. Enquanto a mãe corria para avisar o pai da cobra que estava por perto, gritava para os dois:
- Mas o que faziam perto do rio? Já não disse que lá é perigoso!?
Ele respondeu:
- Nada. Só olhando...
A menina olhou para ele, ele desviou o olhar e ali ela soube que o amaria para sempre.
Ele já sabia isso. Há muito tempo.

domingo, 2 de maio de 2010

A vida é mesmo engraçada

As meninas eram bombeiras. Moravam juntas numa casa grande até. E eram bombeiras.
Tinham decidido isso quando tinham 7 anos de idade e subiram na árvore para salvar o gato da vizinha. A emoção, a expectativa, o alívio da vizinha... Era um modo de ter uma vida emocionante, cheia de aventuras, riscos e ainda se sentirem bem ajudando os outros. Diferente da maioria das promessas infantis, elas se tornaram bombeiras. E eram muito boas no que faziam. Mas um dia a sorte resolveu não acompanhar a coragem.
Um incêndio na escola da cidade. Crianças envolvidas. Sempre complicado. Os bombeiros estavam tentando controlar o fogo. Todas as crianças tinham sido retiradas. De repente, sai uma professora correndo com três crianças e diz que ainda tem mais duas no final do corredor, que ela não conseguira trazer. A duas amigas, as melhores e mais corajosas do grupo, correm, no mesmo instante, pelo corredor para tentarem salvar as crianças. Mas no meio do caminho havia uma cobra, que nenhuma das duas viu, por causa da fumaça. Era coral. Picou uma. Picou a outra. Elas nem perceberam na hora. Levaram as crianças para fora. Caíram mortas.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

A menina e seu cavalo (Parte 3)

Quando Limão saiu da clínica e voltou para a fazenda, Bia estava lá, esperando. O que Limão não sabia era que Bia tinha passado todo esse tempo implorando ao seu tio que lhe desse o cavalo. Não estava sendo fácil, o Sr. L. gostava muito de Limão, principalmente depois de ele salvar seu filho, mas o Sr. L. era muito bondoso e gostava demais de sua sobrinha e acabou concordando em dar-lhe o cavalo, recusando a oferta que seu irmão havia feito em dinheiro. Afinal, uma coisa era atender a um pedido de sua sobrinha querida e outra era vender o cavalo que salvara a vida de seu filho. Assim, Limão estava em uma situação tão boa quanto difícil, pois ficaria mais perto de sua amada, por vontade dela, mas isso não significava que ela o amasse como ele esperava. Na verdade, nem o próprio Limão sabia como ele esperava que ela o amasse e nessa confusão de sentimentos foi morar na casa de Bia.
Quanto a Lídio, voltou para casa de seu pai curado e não se lembrava de absolutamente nada do dia do acidente, muito menos do fato de Limão ter começado a pular sem nenhum motivo aparente.

A fazenda onde Limão passara a viver era o lugar onde, geralmente, a família de Bia passava os fins de semana, mas agora Bia praticamente morava lá. Ficava com Limão o tempo todo, o que o deixava muito feliz, e juntos andavam por toda a propriedade da família. Bia desenvolvera por Limão aquela afeição que normalmente sentimos por nossos bichinhos de pelúcia. Limão passou a ser seu melhor amigo, conversava com ele, passeava com ele, ria com ele, comia com ele (não a mesma comida, claro!) e sempre cantava pra ele. Limão estava satisfeito com essa relação, mas sentia uma pequena inquietação sabendo que isso não iria durar muito.
Algum tempo depois, Bia arrumou um namorado e namorou por um bom tempo esse ser e depois se casaram e foram morar na fazenda em que Limão estava. Bia não aceitou viver em um lugar em que seu cavalo não pudesse ir. A amizade entre eles não se modificara, só o tempo que passavam juntos que diminuíra um pouco, agora que ela tinha um marido. Logo vieram os filhos e Bia se afastava cada vez mais de Limão, que além de velho estava ficando doente devido à distância de sua amiga e grande amada.
Limão percebeu que seu amor por Bia tinha sido, na verdade, a melhor coisa que lhe acontecera. Tal sentimento, apesar de todo o sofrimento que o acompanha, faz com que as pessoas se sintam melhores com o universo e com os outros seres. E o sofrimento de que falei, faz com que cresçamos e sejamos melhores. Mas tinha uma coisa que incomodava Limão demais: ele queria que Bia ao menos soubesse de todo o seu sentimento. Era uma necessidade que Limão não entendia, mas talvez o fato de não poder ser correspondido fizesse com que ele quisesse pelo menos ser reconhecido. Mas ele não tinha nenhuma idéia de como isso pudesse ser possível.
Um dia, muito tempo depois, quando os filhos de Bia já corriam pela fazenda e ela raramente visitava Limão, que não conseguia mais correr e só ficava em sua casinha, apareceu uma linda mulher e se encaminhou diretamente para Limão:
– Oi! Como vai?
Limão, que já estava acostumado que as pessoas falassem com ele, respondeu em seu linguajar de cavalo, que para as pessoas pareciam um relincho:
– Bem...
E a mulher disse:
– Não parece!
Limão pulou.
– Você consegue me ouvir? – Ele perguntou.
– Sim. Por que não poderia?
– Você é humana, humanos não falam com cavalos, quer dizer, falam, mas não ouvem, você sabe eles, eles... – Limão nem sabia mais o que falar.
– Calma, Limão, eu tenho aparência de humana, mas não sou. – Disse a mulher. – Eu sou um espírito da floresta, que conforta os animais na hora de sua morte.
– Quer dizer que vou morrer?
– Não imediatamente. Você pode me fazer um último pedido. Qualquer um, inclusive viver mais. Você escolhe...
Limão pensou que a resposta era fácil: viver mais ao lado de Bia era só o que ele queria. Mas então pensou o quanto estavam afastados, embora soubesse que Bia ainda o amava, e percebeu que isso não adiantaria muito. Então se lembrou do grande desejo de seu coração: que Bia pudesse saber o quanto ele a amava e decidiu que pedido fazer.
– Quero ser humano por um dia antes de morrer.
A mulher olhou-o nos olhos por alguns instantes e disse:
– Tudo bem! Você terá 24 horas de humanidade, após esse prazo, voltará a ser cavalo e morrerá. De acordo?
– De acordo!
A mulher foi se afastando lentamente e Limão começou a sentir um formigamento estranho pelo corpo, sua vista ficou embaçada e depois de um estremecimento viu que tinha duas pernas e dois braços e uma cabeça humana. Era humano!
Limão não sabia o que fazer, não sabia se corria para a casa e contava para Bia ou se se mostrava para seus amigos cavalos. Mas quem iria acreditar? Talvez seus amigos, mas não Bia. Ela jamais acreditaria que seu cavalo se transformaria em um homem pra dizer que a amava. E também, ela era uma mulher casada, ele não podia simplesmente chegar em sua casa e dizer: – Ei, amo você! Tudo era tão complicado, mesmo agora. E então Limão percebeu o que tinha que fazer. Aproximou-se da casa pelos fundos, chamou um dos criados e perguntou se podia lhe emprestar algumas folhas de papel e uma caneta. A mulher havia feito um bom trabalho, Limão se transformara em um homem com aparência decente e, como ele suspeitou e confirmou depois, com certo grau de instrução, e por isso a criada não se importou em atender tão gentil cavalheiro.
Limão se encaminhou a sua casinha, sentou-se, e começou a escrever a história de Bia e Limão.

Agora que vocês já sabem, peço perdão pelo mau jeito com a escrita, não é fácil para um cavalo contar uma história e meu tempo está terminando. Só queria dizer ainda que se você um dia ler isso Bia, saiba que não me arrependo de nada. Você foi a coisa mais linda que me aconteceu e eu fui o cavalo mais feliz que poderia ter existido, não sei se vai acreditar, mas pense... ninguém poderia saber de tudo isso. Te amo!

A menina e seu cavalo (Parte 2)

Mas eu não sou muito bom para contar histórias. É necessário um detalhamento maior de como se deu o primeiro encontro entre Bia e Limão. Como já disse, Bia havia reencontrado seu primo Lídio depois de muito tempo de separação. Quando tinha nove anos, Lídio foi mandado para uma cidade maior para poder estudar e Bia ficou em sua cidadezinha. Quando voltou, já com 18 anos, as coisas na fazenda haviam mudado um pouco. O pai de Lídio havia comprado vários cavalos e também adotado alguns que tinham sido abandonados na prefeitura. Limão era um desses, e chegou à fazenda quatro anos antes de Lídio voltar. Bia não visitava muito a fazenda desde a partida de seu primo, afinal, sua diversão na fazenda era brincar com ele. Ela foi à fazenda apenas duas vezes nesses nove anos de ausência de Lídio.
A fazenda era um lugar muito lindo e seus moradores o chamavam de Casa Nostra. No centro do terreno havia a casa, linda, toda branquinha com janelas e portas marrons. Uma varanda circulava a casa toda e apenas se interrompia para dar lugar à entrada principal da casa: uma linda porta dupla de madeira escura, polida e entalhada. Uma pequena escada de cinco degraus levava até a grande porta e aos pés dessa escada estava o gramado mais verde jamais visto, que circundava toda a casa. Havia algumas cadeiras de repouso espalhadas pela grama. Era onde a família descansava durante as tardes. Logo depois do gramado havia muitas árvores enfileiradas, que formavam um círculo em torno do terreno da casa. Fora desse círculo começava o que o Sr. L chamava de Terras Ermas, ou seja, o grande pasto da propriedade. Quando o Sr. L decidiu criar cavalos, o espaço imediatamente após o círculo de árvores foi transformado em um curral. A Bela Árvore ficava a uns 800 metros depois do curral.
O caminho que dava acesso à fazenda ficava do lado oposto da entrada principal e do curral e por isso o Sr. L. construiu uma grande garagem no fundo de sua casa, do lado de fora do anel arborizado, fazendo, assim, com que nenhum carro entrasse no seu mar verde. Os cavalos tinham permissão para pastar à vontade pela propriedade e eram obrigados a ir para o curral somente para dormir ou quando estavam doentes, mas eram tão bem tratados pelo Sr. L. e seus empregados, que não havia nenhuma necessidade de levar os animais para o curral quando a noite caía. Eles sabiam exatamente o que fazer.
No dia da chegada de Lídio, o Sr. L. preparou uma grande festa e por isso havia muita gente chegando, todos sob o olhar vigilante de Limão, que parava próximo à garagem e ficava assistindo o desfile de convidados. Limão adorava festas! Como tinha gente e movimentação e alegria! Isso era muito legal, os cavalos não tinham festas assim. Quando Bia chegou, Limão soltou um grito de surpresa cavalal e perguntou à velha égua Mili:
– O que é aquilo? Um daqueles seres das histórias? Um anjo ou uma fada? O que é Mili?
– Bobo! – Disse Mili – Ela é uma humana como qualquer outra.
– Não, não é não. Ela é linda! Parece um sonho...
– Mas não é! É gente, só gente, o que já é demais pra você que é um cavalo.
Neste momento Limão percebeu o quanto estava encrencado. Ela era só gente, mas ele era só cavalo. Impossível! Mas o coração dos bichos sente como qualquer outro e não há nada a fazer quanto a isso. Limão estava apaixonado.
No ano que se seguiu, Limão sofreu muito e mudou drasticamente. Do cavalo alegre e brincalhão que todos conheciam ficou só a lembrança. Limão não comia direito, não dormia direito e só ficava pelos cantos suspirando e pensando na sua Bi. Sua presença na fazenda agora era constante, o que fazia Limão sofrer ainda mais, então, ele decidiu parar de querer se encontrar com ela e se afastar toda vez que ela chegava, mas justamente quando encontrou forças para fazer isso e se afastou até muito depois do curral, Bia o seguiu junto com seu primo Lídio. Era o destino!
Deixe-me ver... o que aconteceu imediatamente depois vocês já sabem e logo após a saída de Lídio, Bia e Limão ficaram juntos por um bom tempo, Bia chorando e Limão sofrendo mais do que imaginava possível.
Depois desse incidente, Bia não voltou mais à fazenda, fazendo com que Limão desejasse a morte a cada dia. Não sabendo mais o que fazer pra aliviar sua dor, Limão viu uma oportunidade no dia em que Lídio quis montá-lo. Devo dizer aqui que de maneira alguma aprovo o que Limão fez a seguir, mas devemos considerar o fato de ele estar muito apaixonado, muito doente e muito magoado, não pensando muito nas conseqüências de seus atos.
Quando Lídio e Limão já estavam bem longe da casa, Limão começou a pular e a escoicear tentando derrubar Lídio. Como aquele moleque ousou rejeitar Bia... mas quando Lídio caiu, Limão se sentiu muito mal, afinal não era um cavalo ruim, só estava nervoso. Limão correu para a casa e tentou de todas as maneiras avisar o Sr. L. do acontecido, agora ele já estava muito arrependido e queria ajudar. O Sr L. entendeu logo a mensagem e foi com Limão até o lugar do acidente. Lídio estava inconsciente e havia uma poça de sangue ao redor de sua cabeça. O Sr. L. pegou o seu filho e levou-o de volta para casa montado em Limão. Quando chegaram, os humanos logo entraram e deixaram Limão parado na entrada principal da casa, assim ele acompanhou toda a movimentação de ambulâncias e médicos e carros e parentes. Ele não podia acreditar que tinha feito isso, queria sumir, morrer, menos ter que olhar para o rosto do Sr. L. e ver todo o sofrimento que havia causado, justo a pessoa que mais o ajudou em toda a sua vida. Mas a pior parte foi quando o Sr. L. se aproximou de Limão e disse:
– Meu bom cavalo, não precisa se preocupar, ele vai ficar bom. E você foi incrível vindo buscar ajuda, se não fosse por você meu Lídio provavelmente morreria. Muito obrigado!
Neste momento Limão não agüentou, começou a relinchar todo o seu desespero e caiu doente.
Quando Limão recuperou a consciência, se achou em um lugar completamente estranho, que descobriu mais tarde ser uma clínica veterinária. E que surpresa! Bia estava ao seu lado! Quando viu que ele havia acordado, ela disse:
– Eu conheço você! Você é o cavalo que me fez companhia no dia em que eu conversei com Lídio. Você é o cavalo mais fofo que eu já vi, consola as pessoas, salva a vida dos donos, queria que você fosse meu... meu cavalo da guarda...
Limão sarou naquele momento, mas seu coração quase explodiu de emoção, o que fez o veterinário querer que ele passasse mais alguns dias na clínica.