sexta-feira, 20 de novembro de 2009

A menina e seu cavalo (Parte 2)

Mas eu não sou muito bom para contar histórias. É necessário um detalhamento maior de como se deu o primeiro encontro entre Bia e Limão. Como já disse, Bia havia reencontrado seu primo Lídio depois de muito tempo de separação. Quando tinha nove anos, Lídio foi mandado para uma cidade maior para poder estudar e Bia ficou em sua cidadezinha. Quando voltou, já com 18 anos, as coisas na fazenda haviam mudado um pouco. O pai de Lídio havia comprado vários cavalos e também adotado alguns que tinham sido abandonados na prefeitura. Limão era um desses, e chegou à fazenda quatro anos antes de Lídio voltar. Bia não visitava muito a fazenda desde a partida de seu primo, afinal, sua diversão na fazenda era brincar com ele. Ela foi à fazenda apenas duas vezes nesses nove anos de ausência de Lídio.
A fazenda era um lugar muito lindo e seus moradores o chamavam de Casa Nostra. No centro do terreno havia a casa, linda, toda branquinha com janelas e portas marrons. Uma varanda circulava a casa toda e apenas se interrompia para dar lugar à entrada principal da casa: uma linda porta dupla de madeira escura, polida e entalhada. Uma pequena escada de cinco degraus levava até a grande porta e aos pés dessa escada estava o gramado mais verde jamais visto, que circundava toda a casa. Havia algumas cadeiras de repouso espalhadas pela grama. Era onde a família descansava durante as tardes. Logo depois do gramado havia muitas árvores enfileiradas, que formavam um círculo em torno do terreno da casa. Fora desse círculo começava o que o Sr. L chamava de Terras Ermas, ou seja, o grande pasto da propriedade. Quando o Sr. L decidiu criar cavalos, o espaço imediatamente após o círculo de árvores foi transformado em um curral. A Bela Árvore ficava a uns 800 metros depois do curral.
O caminho que dava acesso à fazenda ficava do lado oposto da entrada principal e do curral e por isso o Sr. L. construiu uma grande garagem no fundo de sua casa, do lado de fora do anel arborizado, fazendo, assim, com que nenhum carro entrasse no seu mar verde. Os cavalos tinham permissão para pastar à vontade pela propriedade e eram obrigados a ir para o curral somente para dormir ou quando estavam doentes, mas eram tão bem tratados pelo Sr. L. e seus empregados, que não havia nenhuma necessidade de levar os animais para o curral quando a noite caía. Eles sabiam exatamente o que fazer.
No dia da chegada de Lídio, o Sr. L. preparou uma grande festa e por isso havia muita gente chegando, todos sob o olhar vigilante de Limão, que parava próximo à garagem e ficava assistindo o desfile de convidados. Limão adorava festas! Como tinha gente e movimentação e alegria! Isso era muito legal, os cavalos não tinham festas assim. Quando Bia chegou, Limão soltou um grito de surpresa cavalal e perguntou à velha égua Mili:
– O que é aquilo? Um daqueles seres das histórias? Um anjo ou uma fada? O que é Mili?
– Bobo! – Disse Mili – Ela é uma humana como qualquer outra.
– Não, não é não. Ela é linda! Parece um sonho...
– Mas não é! É gente, só gente, o que já é demais pra você que é um cavalo.
Neste momento Limão percebeu o quanto estava encrencado. Ela era só gente, mas ele era só cavalo. Impossível! Mas o coração dos bichos sente como qualquer outro e não há nada a fazer quanto a isso. Limão estava apaixonado.
No ano que se seguiu, Limão sofreu muito e mudou drasticamente. Do cavalo alegre e brincalhão que todos conheciam ficou só a lembrança. Limão não comia direito, não dormia direito e só ficava pelos cantos suspirando e pensando na sua Bi. Sua presença na fazenda agora era constante, o que fazia Limão sofrer ainda mais, então, ele decidiu parar de querer se encontrar com ela e se afastar toda vez que ela chegava, mas justamente quando encontrou forças para fazer isso e se afastou até muito depois do curral, Bia o seguiu junto com seu primo Lídio. Era o destino!
Deixe-me ver... o que aconteceu imediatamente depois vocês já sabem e logo após a saída de Lídio, Bia e Limão ficaram juntos por um bom tempo, Bia chorando e Limão sofrendo mais do que imaginava possível.
Depois desse incidente, Bia não voltou mais à fazenda, fazendo com que Limão desejasse a morte a cada dia. Não sabendo mais o que fazer pra aliviar sua dor, Limão viu uma oportunidade no dia em que Lídio quis montá-lo. Devo dizer aqui que de maneira alguma aprovo o que Limão fez a seguir, mas devemos considerar o fato de ele estar muito apaixonado, muito doente e muito magoado, não pensando muito nas conseqüências de seus atos.
Quando Lídio e Limão já estavam bem longe da casa, Limão começou a pular e a escoicear tentando derrubar Lídio. Como aquele moleque ousou rejeitar Bia... mas quando Lídio caiu, Limão se sentiu muito mal, afinal não era um cavalo ruim, só estava nervoso. Limão correu para a casa e tentou de todas as maneiras avisar o Sr. L. do acontecido, agora ele já estava muito arrependido e queria ajudar. O Sr L. entendeu logo a mensagem e foi com Limão até o lugar do acidente. Lídio estava inconsciente e havia uma poça de sangue ao redor de sua cabeça. O Sr. L. pegou o seu filho e levou-o de volta para casa montado em Limão. Quando chegaram, os humanos logo entraram e deixaram Limão parado na entrada principal da casa, assim ele acompanhou toda a movimentação de ambulâncias e médicos e carros e parentes. Ele não podia acreditar que tinha feito isso, queria sumir, morrer, menos ter que olhar para o rosto do Sr. L. e ver todo o sofrimento que havia causado, justo a pessoa que mais o ajudou em toda a sua vida. Mas a pior parte foi quando o Sr. L. se aproximou de Limão e disse:
– Meu bom cavalo, não precisa se preocupar, ele vai ficar bom. E você foi incrível vindo buscar ajuda, se não fosse por você meu Lídio provavelmente morreria. Muito obrigado!
Neste momento Limão não agüentou, começou a relinchar todo o seu desespero e caiu doente.
Quando Limão recuperou a consciência, se achou em um lugar completamente estranho, que descobriu mais tarde ser uma clínica veterinária. E que surpresa! Bia estava ao seu lado! Quando viu que ele havia acordado, ela disse:
– Eu conheço você! Você é o cavalo que me fez companhia no dia em que eu conversei com Lídio. Você é o cavalo mais fofo que eu já vi, consola as pessoas, salva a vida dos donos, queria que você fosse meu... meu cavalo da guarda...
Limão sarou naquele momento, mas seu coração quase explodiu de emoção, o que fez o veterinário querer que ele passasse mais alguns dias na clínica.

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